Atenção é a forma mais pura e rara de generosidade - Simone Weil
Vincent Van Gogh - Homem lendo na lareira
Para ler um poema em grupo é preciso lê-lo em voz alta. Essa tem sido nossa experiência de leitura coletiva, noturna, solta, no centro da cidade - nosso ateliê de ler. Nunca lemos livros inteiros. Sentamo-nos em círculo. São vozes que ecoam ao redor da página; a concentração enlaça olhos, ouvidos, palavras, silêncio ao redor das palavras. Ali, onde a costura acontece, uma nascente invisível, uma inauguração a cada palavra dita. A cada leitura, o nascimento de uma paisagem em quem lê.
Ler é mais comprido do que pronunciar as palavras gravadas no papel. A leitura convida a meditação. Ler, reler, ler mais devagar, deter-se sobre pontos opacos do texto, arrastar os dedos debaixo da palavra. São múltiplas leituras ramificando-se na sala. Há, no mínimo, dois textos: as palavras impressas e a voz do leitor. Lemos, portanto, com os ouvidos e os olhos. De uma voz, pode-se escutar: sotaque, pausas, fôlego, entonação, equívocos, velocidade, nervosismos, impressões no momento em que se inscrevem no leitor. Escutamos os grifos que o leitor faz no texto, assim que impactado por ele. Quem escuta a leitura pode escutar a nudez do leitor.
Na voz, com suas involuntariedades, o calor do início das coisas se presentifica. Todos, ali, tateamos um silêncio efervescente e original em busca de uma fala que circunscreva aquilo que nos aconteceu, que nos penetra, fecunda, rapta. Muitas vezes, silêncio é o único comentário possível após a escuta de um texto. É uma espécie de suspensão enigmática, prenhe de colisões, o momento posterior a escuta de um poema. Então, alguém elege uma impressão, algo que permanece após a passagem aquática do texto por nós, e a pronuncia.
A primeira fala, por vezes, é uma tentativa de descrição. Descrever é uma maneira de ler, talvez a menos reconhecível. Quando começamos a falar sobre o texto, passamos da leitura à escrita - uma escrita com a voz, que se fixa na escuta e na memória dos presentes. Descrever e ler são processos criativos e infinitos. Em sua forma inesgotável, com sua ilegibilidade, os poemas são hospitaleiro às metamorfoses. Talvez por carregar próxima a lembrança dessa qualidade, nos permitimos passar de Alejandra Pizarnik a Herberto Helder a Roberto Piva a Octávio Paz a Ocean Vuong a outros de maneira mercurial: uma confiança de que não há nada a perder quando é o desejo que nos guia. Melhor: que a perda é justa. Sorrimos no escuro, confiando que os textos nos esperam pacientemente. Um leitor talvez seja um amante.
Foto de uma noite de leitura - tirada pela Loraine
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